terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Menina que via Filmes: Um lindo dia na vizinhança [Crítica]

Título: Um lindo dia na vizinhança
Inspirado na reportagem: “Can you say... hero?” de Tom Junod
Roteiro: Micah Fitzerman-Blue, Noah Harpster
Direção: Marielle Heller
Distribuidora: Sony Pictures
Música: Nate Heller
Elenco: Tom Hanks, Matthew Rhys, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson, Maryann Plunkett, Enrico Colantoni, Wendy Makkena, Tammy Blanchard, Noah Harpster, Carmen Cusack, Kelley Davis, Christine Lahti, Maddie Corman
Data de estreia no Brasil: 23 de janeiro de 2020
por Larissa Rumiantzeff

Quando eu soube que fariam um filme com Tom Hanks como Mr. Rogers, fiquei entusiasmada. Afinal, do ator que interpretou o próprio Walt Disney, a gente espera excelência, ainda mais depois do seu trabalho no filme “Nos bastidores de Mary Poppins”. Imaginei que seria tipo a cinebiografia da Hebe Camargo, com aspectos do programa, versus vida real da personalidade retratada. Sendo assim, fui logo pesquisar a respeito do Fred Rogers original, pois queria pegar todas as referências possíveis. 

Antes de falar do filme, falarei um pouco da personalidade. Fred Rogers, ou Mr. Rogers, tinha um programa chamado Mr. Rogers’ Neighborhood, (ou simplesmente Mr. Rogers) traduzido como A vizinhança do Sr. Rogers. O programa, que foi ao ar de 1968 a 2001, era estruturado como uma casa, onde Mr. Rogers entrava cantando, e contava com convidados, entre pessoas famosas, personagens de carne e osso e fantoches. Com a ajuda deles, Mr. Rogers falava, em linguagem infantil, sobre assuntos como guerra, divórcio, racismo, etc. Nenhum tema era polêmico demais para Mr. Rogers, que traduzia esses tópicos de forma leve e compreensível. Pense em um telecurso, só que infantil. Era essa a vibe. Ao assistir vídeos a respeito, me lembrei da personagem Mrs. Doubtfire, do filme “Uma babá quase perfeita”, cujo programa infantil provavelmente foi inspirado em Mr. Rogers. Há inclusive uma referência explícita a Mr Rogers em uma fala desse primeiro. 

Inclusive, no programa sobre racismo, Rogers convidou o policial Clemmons, e colocaram juntos seus pés numa piscininha infantil, uma declaração clara contra o racismo vigente na época, uma vez que Clemmons é negro. Estamos falando de 1969, em meio ao movimento pelos direitos civis dos negros. 
Mr. Rogers era cantor, psicólogo infantil, professor e pianista em uma pessoa só. Por isso, as crianças dos Estados Unidos que assistiam o programa ficaram arrasadas com a sua morte, em 2003. 
Já se apaixonou pela figura e pelo personagem? Está imaginando que seria maravilhoso ver um filme e saber mais sobre ele? Pois prepare-se para se decepcionar junto comigo. 
Não me entendam mal, a caracterização do Tom Hanks está impecável. Ele ficou idêntico ao original, nos trejeitos, nas falas. O que me deixou ainda mais frustrada quando o filme não foi sobre ele. Ele era apenas um personagem raso narrando a vida do verdadeiro protagonista, esse último um jornalista aleatório e cínico, Lloyd Vogel. 
Lloyd Vogel é um homem traumatizado pela morte da mãe e pelo abandono do pai na infância. Agora casado e com filho pequeno, ele não consegue se conectar devidamente à família, devido a esse trauma. Ele se torna um homem amargo, cínico e rancoroso, que oculta um interior ressentido. Para piorar, o pai reaparece no casamento da filha, e traz esses velhos ressentimentos à tona. O jornalista, antes considerado brilhante, é famoso por escrever reportagens aprofundadas sobre personalidades, investigando os podres e os divulgando sem pena. Ao mesmo tempo, Lloyd tem uma reputação negativa pela irascibilidade no trato com as pessoas, consequência desses problemas emocionais não resolvidos. Por isso, quando ele recebe a missão de fazer uma pequena coluna sobre o famoso Mr Rogers, como último recurso para salvar sua carreira, todos ficam apreensivos, inclusive a mulher, grande fâ do apresentador infantil. 
Um filme sobre a relação entre o apresentador de programa infantil e um jornalista cínico com a tarefa de escrever uma matéria sobre ele talvez caísse na pieguice. Porém, não há um foco nessa relação. Ela é usada como artifício para falar da vida do jornalista cínico em questão, e em personagem secundários com quem eu não consegui me importar de verdade. O link feito para isso foi a questão das emoções e de como Fred Rogers ensinava as crianças a lidar com elas, para mostrar a transformação interna que se dá no jornalista a partir desse encontro. 
O aspecto artístico do longa ficou interessante. Quem melhor para analisar um personagem e narrar uma história do que o próprio apresentador que será entrevistado por ele? Quem melhor para destrinchar as facetas do jornalista mais impiedoso, do que uma figura compassiva e talvez por isso, mais perceptiva? Nesse sentido, eu gostei. A alternância entre o lúdico e o mundo real, transpondo a mensagem do filme, de que é preciso olhar para os nossos problemas de criança, para crescermos como adultos saudáveis, foi outro ponto positivo. 
Contudo, essa abordagem foi arriscada: o enfoque em outro personagem para retratar o primeiro e a sua relação com as pessoas acaba não sendo eficiente porque pesou demais na carga emocional do jornalista, inspirado em Tom Junod. Como consequência, a história do Mr. Rogers em si não recebe a atenção que eu esperava, e fica relegada a cenas curtas. O que não teria problema, se o filme não tivesse sido divulgado como a história do Mr Rogers, inclusive com o título fazendo alusão ao programa. 
No entanto, essa é uma questão de gosto e imagino os motivos por trás da decisão da diretora. Imagino que, para quem não está familiarizado com a personalidade, o longa poderia ser confuso, então tentaram mesclar um drama sobre alguém relativamente desconhecido e que fosse talvez mais fácil de acompanhar e de levar para outros países do mundo. Entendi a decisão, só não gostei do resultado. Para alguém que entre no cinema, ou que vá ver o filme sem saber nada sobre ele, talvez seja uma experiência mais agradável. Questão de gosto. 
Para não dizer que tudo foi decepcionante, o trabalho de pesquisa e de cenografia foi incrível. Nas (poucas) cenas em que o Mr. Rogers de fato aparece, há uma sobreposição de cenas inspiradas em cenas reais, como de quando a orquestra toca música em sua homenagem, ou quando os passageiros do metrô começam a cantar espontaneamente a música tema do programa. Além disso, a transição entre cenas usando dioramas e maquetes como no programa, foi um toque especialmente inteligente. As cenas pós crédito também merecem atenção, com clipes do programa real. 
O trabalho dos atores foi bom, porém, a direção deles deixou a desejar. Há pouca alternância de emoções do Tom Hanks como Mr. Rogers, o que causa uma imagem caricaturada, e um tanto maníaca, dele. Ninguém é feliz e bondoso o tempo todo. Há algumas passagens em que ele explica como lida com a raiva, porém, devido ao foco do filme, elas foram insuficientes. Apenas uma cena do filme causa o impacto que eu gostaria de ver nele todo. Não posso entrar em detalhes, mas é o único ponto que deixa o Mr. Rogers retratado como Tom Hanks aparecer como pessoa, e não um personagem montado. 
Como eu disse, recomendo o filme como um drama normal para todas as idades. Porém, não se deixem enganar pelo cartaz. Tom Hanks, como Fred Rogers, não é o protagonista. Não assistam como uma cinebiografia, pois não cumpre o objetivo como tal. Para isso, talvez o documentário a respeito dele faça um trabalho melhor.
Eu daria três claquetes. 

4 comentários:

  1. Realmente um filme que não é digno de Tom Hanks. E isso dá uma tristeza no coração!
    Amo o trabalho do ator e mesmo não tendo visto ou lido nada a respeito deste filme,só de ver o nome dele ali, já fique numa expectativa.
    Verei sim, tenho certeza disso,mas já sabendo bem o que não irei encontrar!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

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  2. Larissa!
    Fico bem triste quando vejo uma 'propaganda enganosa' sobre filme (ou sobre livros).
    Usar um ator fantástico como o Tom Hanks para 'vender' um filme e no final não ser nada do que pensamos que poderia ser, é uma tremenda falta de respeito com os fanáticos por filmes como nós.
    Mas se é um bom drama e pelo Tom, pode até ser que assista.
    cheirinhos
    Rudy

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  3. Odeio quando essas coisas acontecem, as vezes o filme pode ser até bom, mas criamos uma expectativa sobre e acaba não sendo o que esperávamos, então nem conseguimos gostar muito do que é apresentado...

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  4. Oiii ❤ É realmente bem triste quando um filme que promete uma coisa e acaba sendo outra, é no mínimo decepcionante.
    É uma pena que o Tom Hanks não tenha sido utilizado tão bem na trama.
    Eu achei que era uma cinebiografia, pois parece muito ser uma, mas que pena que não é.
    Beijos ❤

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