É importante alguns avisos antes de começar a leitura:
- O Livro Camdaki Kiz ainda não foi publicado no Brasil. Na Espanha ele ganhou o nome de La Chica en La Ventana e é possível lê-lo em e-book no Brasil nessa versão em espanhol, os comentários que tenho feito são baseados nessa leitura
- Traduzi algumas partes e após os vídeos farei uma análise da novela x livro.
- Não sou tradutora de profissão, portanto, alguns trechos podem conter equívocos de linguagem, assim como erros ortográficos pois o texto abaixo não passou por um revisor especializado.
Assim tenho que tenho atender
minha próxima paciente, uma senhora chamada Zeynep, que vem me ver pela
primeira vez, se esquecendo que essa é uma instituição médica e estará sentada
diante de uma doutora.
Precisa se sentir suficientemente
acomodada para se abrir emocionalmente. Antes de levar os pacientes para minha
consulta eu dou uma boa olhada ao redor. A consulta tem muitas janelas, assim
as coloco tidas em uma fila e as abro da mesma maneira.
Endireito as poltronas de veludo
vermelho, reponho o que resta das velas acesas desde a manhã e logo pego o
telefone para informar a Tuna que estou pronta.
Tuna abre a porta, se afasta de
deixa passar a Dona Zeynep . Eu já estou de pé junto à porta, preparada para recebe-la
e acompanha-la até seu assento.
É uma mulher jovem com características
suaves e sutis e olhos brilhantes, que não brilham de felicidade. Carrega um
casaco grande de cor bege e um lenço colorido enrolado na cabeça como se usa um turbante.
Quando ela me dá a mão, sorri
nervosa. Olha para o quarto, os quadros que estão pendurados na parede e para
as lâmpadas, e logo diz:
- Seu espaço é como eu o
imaginava após ler seus livros
Bom, esse pelo menos é um bom
começo. Me ajuda muito a fazer meu trabalho se meus pacientes tiverem lido meus
livros anteriormente, porque geralmente escrevo muito sobre mim e ao lê-los
frequentemente acreditam que me conhecem um pouco melhor e se sentem mais próximos
de mim.
Os ajuda a falar com mais liberdade. Também me sinto mais próximo
a deles quando me dizem que já leram meus livros, curiosamente. Como se já os tivera conhecido antes em algum lugar do passado.
Lhe pergunto se deseja tomar
alguma coisa. A pricípio diz que não, mas logo me pede um chá. Tuna nos traz
dois chás e se vai. Dona Zeynep começa a falar antes que eu tenha chance de lhe
fazer uma pergunta.
_ Tenho tantos problemas, Dona Gulseren,
que não sei por onde começar. Até o momento não os contei a ninguém. Bem dizer,
não são o tipo de coisas que se saem contando por aí, mas é que ultimamente eu
tenho me sentido muito mal. Não sei o que fazer nem sei como sair deste mato , dessa
maneira como último recurso, eu vim até aqui para falar com você na esperança
que possa me mostrar o caminho.
- Bom, você tomou a decisão
correta, Dona Zeynep.
- Eu prefiro que me chame somente
de Zeynep
- Claro, pode continuar, Zeynep,
que te estou te escutando.
-Bom, doutora, talvez eu devesse
começar por lhe contar coisas anteriores de minha vida. Já que a minha não foi
uma vida convencional. Tem sido bastante peculiar, com algo que saiu de um
filme. Realmente não sei como eu cheguei aonde estou.
Ela respira profundamente e
parece que está a ponto de chorar. Seu passado, algo de seu passado a perturba
claramente. Quando a observo com mais atenção vejo algo peculiar nela, mas eu
ainda não posso precisar o que.
Sua aparência e suas roupas me
lembram a de uma dona de casa mais bem mais simples e nada excepcional. Porém,
há algo em seus olhos que me diz que ela teve uma ótima educação e que tem uma
profissão muito respeitada.
- Venho de uma família muito
pobre. Meu pai era pedreiro em uma construção e minha mãe limpava a casa das
pessoas. Sou a mais nova de três irmãos. Tenho um irmão e uma irmã. Meu irmão
Remzi era um estudante muito bom, mas meu pai queria que ele trabalhasse e que
ajudasse a manter a família.
- Como era seu pai?
- Nem queira saber... era um
sem-vergonha de primeira linha. Passava o dia trabalhando nas obras e ao final
do dia de trabalho guardava as ferramentas e ia gastar tudo que ganhava em um
bar. Era minha mãe quem mantinha nossa casa de pé. Por quase nada, quando meu
pai chegava em casa, armava um escândalo se minha mãe se atrevesse a abrir a
boca. Lhe dava uma surra e logo começava a bater na gente.
A maioria das brigas em nossa
casa se davam porque minha mãe queria que seu filho tivera educação e dizia ao
meu pai que era ela quem pagaria seus estudos e ela não queria que ele
abandonasse. Mas quando ela dizia isso, meu pai se irritava e quebrava quase
tudo que tinha dentro de casa. Depois se virava contra Remzi e o culpava por
tudo.
No final, Remzi teve que começar
a trabalhar com meu pai nas obras da construção, mas também se matriculou em
aulas noturnas para poder terminar a escola e obter o diploma de ensino médio.
Era um garoto inteligente que não
queria ser como nosso pai, um homem sem escrúpulos que nem sequer lhe dava
dinheiro ao seu próprio filho para pegar um ônibus que fosse.
O pobre garoto terminava de
trabalhar e em seguida caminhava quilômetros para chegar até a escola. Eu por
outro lado, era muito nova naquela época e era a minha irmã que se encarregava da casa. Ela só tinha
dez anos. Terminava a escola e se colocava a fazer as tarefas domésticas ao
chegar.
- Te deixavam com frequência sozinha
em casa?
_ Muitas vezes! Quem estaria ali
para cuidar de mim? Minha mãe saía de saca e ia trabalhar na primeira hora da
manhã, Remzi ia com nosso pai e quando Gulbin ia para escola, eu estava tão
assustada sozinha em casa que ficava sentada junto à janela durante horas
esperando que ela voltasse.
- Que idade tinha nessa época?
- Não sei. Acho que uns dois ou
três anos, saíam de casa e fechavam as portas. Me deixavam com algo para comer
e um prato, mas isso era tudo. Quando minha irmã voltava para casa eu ficava
tão feliz que nem podia acreditar. Não me separava dela. Ela também era pequena,
mas já estava na escola primária, e nós não tínhamos outro remédio a não ser
nos cuidar. De toda maneira, depois de um tempo, nosso Renmzi caiu doente.
Primeiro disseram que era pneumonia, e depois que era tuberculose. Ele esteve
no hospital por meses, sozinho, a maior parte do tempo. Não havia ninguém com
ele. Mamãe o visitava depois do trabalho sempre que podia e lhe levava algo de
comer da nossa casa. Remzi morreu quando eu tinha apenas 5 anos. Lembro que minha
mãe agarrou a gente e gritou o nome dele por horas. A relação dos meus pais rachou
depois disso. Minha mãe passou a gritar com meu pai e a dizer a ele que a culpa
da morte do meu irmão era dele, o que o fazia ficar ainda mais nervoso, e ele
respondia:
- Não culpe a mim. Se o tempo
para ele acabou, não podíamos fazer nada.
Com isso, claramente seguiram mais
brigas, mais gritos e mais caos. Finalmente, após essa época e por causa da
morte de Remzi, minha mãe decidiu de separar. Ela disse:
- Eu sou a que traz dinheiro para
casa, não precisamos de você.
- Sua mãe tinha algum parente?
- Sim, mas todos estavam
afastados no interior. Não tínhamos a ninguém em Istambul. Se tivéssemos voltado
ao interior, teríamos morrido de fome. Meu pai sabia disso. Ele era um homem
incrivelmente possessivo e quando a mamãe lhe abandonou, as coisas pioraram
muito.
Ele pegou uma faca na cozinha e ameaçou matar a todos nós se fôssemos embora. Lembro de ter gritado com toda força do meu pulmão durante esse incidente , em particular. Que tipo de pai era esse? Um homem que deveria amar e proteger sua família...
Este é o mundo em que Zeynep nasceu.
Um mundo que – para ela – sempre foi muito perigoso, malvado, cruel e injusto.
Quanto mais ela se lembra
daqueles dias mais ela vai apagando a luz que vi seus olhos quando entrou pela
primeira vez na sala.
- Deve ter sido um momento muito
difícil.
- Doutora, foi mais que difícil.
Foi um verdadeiro pesadelo. Tinha vezes que a gente passava o dia na cama com
medo de nos levantarmos pelo que nosso pai poderia fazer conosco. Minha mãe não
queria mais esse casamento porque considerava o meu pai responsável pela morte
do seu filho, mas nos dizia que tinha medo de que ele fizesse algo que nos colocasse
em perigo se ela tentasse fugir.
- Sua irmã estava estudando nesse
momento?
- Nossa mãe estava tão assustada
que a enviou até a escola. Eu também ia para escola, mas ao final minha irmã
teve que abandonar porque não era mais possível estudar. Ela não parava de
tirar notas ruins nos boletins e isso colocava meu pai furioso. Ele a pegava pelo
ar e golpeava na cabeça contra o chão. Gritando por todo dinheiro que se
gastava com sua educação. Então ela se casou e saiu de casa antes de fazer 18
anos.
- Como ela está agora?
- Como acha? Ela está um
desastre. Não queria se casar. Só queria sair de casa, assim se casou com o
primeiro cara que apareceu, mas ele também vinha de uma família pobre. Quando se
foi minha irmã eu fui a única que sobrou na casa. Quando terminei o ensino fundamental,
meu pai me tirou da escola. “Enviamos os outros para escola e olha os que lhe
aconteceu...não era bom em para eles nem para os outros. A leve para seu
trabalho e a ponha para trabalhar. Quem
sabe talvez ela adquira alguma habilidade útil”, lhe disse à minha mãe. Desta
vez minha mãe não se opôs.
Meu pai lhe jogava a culpa de que
minha irmã tinha saído de casa.
“Você a enviou para escola e foi
lá que ela encontrou esse garoto. Se ela tivesse ficado em casa, não teria sujado
meu nome por toda vizinhança desta maneira”
Ela segue fechando os olhos
enquanto fala, como se quisera voltar a esses dias, porém há algo de errado com
a história que conta, sua forma em que fala e seu tom de voz. Seus gestos, sua
postura e sua linguagem corporal contam uma história diferente. Não me parece
alguém que tenha saído de uma casa como a que me descreveu. Há algo mais alarmante
no modo com que ela dispara de falar de sua vida antes que eu a pergunte.
Se não tivesse dito nada, eu suporia
que era uma mulher muito culta. Vejamos aonde nos leva essa história.
- Me diga, em sua classe, que tipo
de aluna era?
- Era muito estudiosa e só tirava
boas notas. Quando meu pai interrompeu seus estudos, chorei durante dias e lhe
implorei que me deixasse voltar a estudar, mas ela não me escutou. Minha mãe
não me defendeu e no final deixei a escola e comecei a acompanha-la em seu
trabalho. Ela fazia faxina em uma casa, de um rico casal de meia idade mas sem
filhos. O marido era um burocrata de alto escalão. A mulher trabalhava mas teve
que deixar o trabalho por problemas de saúde.
- Tinha artrite reumática e não
melhorava. Com o tempo, começou a se encurvar e suas articulações se inflamavam
dolorosamente.
Artrite reumática. Ela disse com
a clareza e a precisão de um profissional de saúde.
- Quando íamos lá, minha mãe se encarregava
das tarefas domésticas e eu ajudava a Senhora Nermin. Era uma mulher doce e
carinhosa. Sempre arrumava tempo para me escutar. Me tratava com respeito.
Deve ser estranho para ela quando
a levam a sério quando ninguém em sua vida até então havia se preocupado em
escutá-la.
- Te contei que meu pai não me
deixava ir à escola, ainda que eu desesperadamente queria estudar. Ela me perguntou
se eu seguisse estudando o que gostaria de ser e eu lhe disse que queria ser
advogada.
Muitas crianças que a vida tratou
injustamente querem ser advogadas quando crescem. Bom para eles.
- Um dia ela se virou para mim e
perguntou “porque não vira nossa filha? Podemos obter consentimento de seus
pais, preparar os papéis e logo poderá vir viver aqui com a gente. Te deixarei
ir à escola. Pode me fazer companhia aqui em casa”
- Mas que sugestão maravilhosa.
Como se sentiu? O que lhe disse?
Ela fica em silêncio. De novo fecha
os olhos e pensa no que sentiu. Talvez ninguém tenha lhe feito essa pergunta
antes.
- Não sei. Estava muito feliz, mas
ao mesmo tempo tinha muito medo. Imagina você passar de sua modesta e
improvisada casa em um dos bairros mais pobres a um enorme apartamento luxuoso
em um condomínio. E não somente para ser uma empregada daquela casa, mas sim a
filha daquela família. Corri até minha mãe e lhe disse que a Senhora queria
falar com ela.
Quando a Senhora Nermin lhe fez a
oferta, minha mãe ficou sem palavras e disse que falaria com meu pai.
No caminho para casa, apenas
pudemos conter nossa emoção, mas eu e minha mãe dividimos a mesma ansiedade. Quando
meu pai chegou em casa essa noite, nós não lhe dissemos imediatamente porque ele
estava bêbado e não sabíamos como ele reagiria.
Decidimos consultá-lo já no
travesseiro. Apenas fiquei de olho, por segurança como pode imaginar.
Porém, quando eu acordei na manhã
seguinte, meu pai estava saltando de alegria. “Vem aqui minha filha, vem aqui”
ele disse fazendo sinais para que eu chegasse perto. Era a primeira vez que ele
se dirigia a mim como “minha filha”
As lágrimas escorriam por seu rosto.
Não pude evitar me sentir triste Penso em meu pai. E quando criança eu lembro
que pensava que todos os pais eram como o meu. Que sempre tinham uma palavra
doce para seus filhos, que os tratavam com o mesmo respeito com que trata os
adultos, que se alegravam em escutá-los durante horas, que lhes levavam chocolates
e guloseimas à noite... todos alegres, lindos e honrados cavalheiros, que
vestiam trajes elegantes azul marinho.
- Estava eufórico e disse para
minha mãe que tínhamos ganho na loteria. Quando ele disse isso, minha mãe
também começou a comemorar. Nesse mesmo dia, arrumaram uma mala pequena com
minhas poucas roupas puídas, minha velha mochila escolar e um par de sapatos, e
nós fomos a casa da senhora Nermin. Quando ela nos viu de pé na porta, eu com
minha malinha, se deu conta de que tínhamos aceitado a oferta. Acompanhou minha
mãe para o outro lado, se sentou com ela e lhe disse> “Senhora Sakine, agora
ela é a filha dessa casa. Como vem aqui quase diariamente, a verá e falará com
ela quase sempre que o desejar. Ah e por favor, pegue o conteúdo dessa mala e
dê a alguém que a queira. Sua filha não precisará de nada disso aqui.” Minha mãe
beijou a Senhora Nermin na mão e disse: “Agora ela está em suas mãos”e isso foi
tudo. Esse mesmo dia, a Senhor Nermin me levou para fazer compras e me deu tudo
que precisava. Compramos tanto que nem podíamos levar até em casa, assim que
seu marido, o Senhor Ekrem chegou, nos enviou um carro. Um dos quartos de seu apartamento
ela reservou para mim, a senhor Nermin falou com as escolas locais na mesma
semana, me compararam móveis novos para meu quarto e em poucos dias eu já
estaria começando, ainda que um pouco tarde, o segundo ano da escola.
Devia ser como um sonho. Esse
tipo de coisas que somente vemos nos filmes. Me pergunto como isso pode afetar
uma menina dessa idade.
- Como isso te fez sentir,
Zeynep? Uma mudança tão repentina e drástica em sua vida?
- Durante muito tempo tive medo
que tudo fora um sonho e que me acordariam e eu estaria na antiga casa do
bairro que morava com meu pai me chamando aos gritos. A forma como essa nova
família havia preparado e decorado meu quarto..., nunca tinha visto nada igual.
Estrados brancos como a neve, colchas com os detalhes mais delicados,
travesseiros de plumas leves, uma escrivaninha branca, uma lâmpada de estúdio,
um monte de cadernos de todos os tamanhos, canetas e lápis, tintas e pincéis, roupas
bonitas no armário, meias brancas e limpas e muitos pares de sapatos
maravilhosos...lembro de tê-los experimentado um a um e de tê-los abraçado e
acariciado. E você não imagina as camisolas que me compraram: tão coloridas,
com belas estampas florais, e os mais bonitos animais nelas. Estava matriculada
em uma escola de crianças ricas. Quando ia à escola pela manhã, meus novos pais
colocavam dinheiro em meus bolos diariamente. Um ônibus escolar me buscava
todas as manhãs e me deixava em casa à tarde, e quando chegava em casa haviam
pratos com tortas e bolos caseiros, todos feitos pela minha mãe. Toda a casa
era impecável, e a senhor Nermin me recebia com um grande sorriso e um abraço.
O Senhor Ekren voltava à casa
pela tarde mas não haviam discussões ou brigas. Não me faltava nada. Era
incrível. Durante muito tempo, senti que estava sonhando. Não estava acostumada
a uma vida assim. No início eu tinha medo que tudo se acabasse, eu comia tanto
que me doía o estômago. E não somente isso, eu escondia a comida em meu quarto
para poder comer depois. Inocência infantil, suponho. Mas então a senhora
Nermin me explicou toda situação e mandou colocar uma pequena geladeira no meu
quarto que ela mantinha sempre abastecida para mim.
Me disseram que o conteúdo da geladeira
era todo meu e que quando acabasse, reporiam.
“Não precisa se apressar nem se assustar
. Come o quanto quiser” me disseram.
Veja quão mal me comportei, a quem
eu poderia contar tudo isso?
Quem iria acreditar?
-Veio ao lugar certo, Zeynep, e o
está dizendo a pessoa adequada. Não vou lhe julgar como você está se julgando. Você
era somente uma criança e para uma criança que nunca tinha visto tanta fartura,
esse comportamento era perfeitamente natural. Não acha?
- De verdade? Acho que sim. Não
sei. Me sinto tão envergonhada pelo meu comportamento.
- Seus novos pais tão pouco te
julgaram ou te condenaram. Eles te conheciam
- No início eu tinha vergonha de
comer a comida que me davam. Não sabia o que se passava quando mudei para
aquela casa. Mas pouco a pouco fui me acostumando a eles, e eles a mim. De modo
que em um ano eu já era a melhor aluna da escola. E também comecei a comer tudo
que comia minha nova família. Bom, mais precisamente, o que minha mãe comia.
- Sua mãe seguia trabalhando em
casa?
- Ah sim, ela estava ali o tempo
todo. Nos preparava o café da manhã e uma vez que o tomava ela me ajudava a trocar de roupa e me acompanhava até o ônibus
da escola. Minha mãe passava o dia inteiro limpando, esfregando, varrendo e
voltava para casa esgotada. Quem sabe o que fazia meu pai quando ela chegava em
casa à noite. É certo que comia em minha casa nova, mas as vezes eu mal podia
desfrutar da comida porque me preocupava com meus pais.
De modo que em um ano depois mais
ou menos, meu pai ao ver que havia me instalado de verdade, chamou o senhor
Ekren à porta e disse que tinha dívidas e necessitava de dinheiro. O senhor
Ekren disse que o encontraria em outro local e arrumou um emprego ao meu pai.
Agora ele ganharia um pouco mais e por isso se mudaram de nossa casa antiga para
uma maior, mas agora minha mãe me olhava com raiva cada vez que nos víamos na
casa. A forma como ela me olhava fixamente quando me sentava à mesa e ela nos
servia era como se eu tivesse cometido algum crime terrível.
- Mas por que?
- Acredita que é possível que as
mães sintam inveja de seus filhos?
Eu não gosto dessa pergunta. Posso
responder positivamente ou negativamente já que tenho elementos de verdade em
ambas as respostas, mas no final das contas, as mães também são mulheres e portanto
possuem todas as qualidades – boas e ruins – que são exclusivas dos seres
humanos.
- O que te parece?
- Não posso dizer. Mas sentia que
a corroía me ver bem e ver quão bem me tratavam naquela casa. Somente íamos
trabalhar naquela casa ( ...) A senhora Nermin também se deu conta do que havia
passado. Eu era tão feliz ali, mas os olhares de minha mãe ...pareciam com as
das garotas da escola. A senhor Nermin sempre sorria como uma verdadeira mãe
quando ia falar com os professores que elogiavam meus trabalhos. Me comprava
presentes como recompensa por todo meu esforço na escola.
- Parece uma boa mulher. E
durante suas férias escolares? Você voltava à caasa de seus antigos pais?
- Ah não. Quando acabava a
escola, a Senhor Nermin e eu íamos a sua casa de verão de Buyukada. Devido aos
seus compromissos profissionais, o Senhor Ekren somente podia ficar conosco na
ilha por um mês. Assim minha mãe seguia limpando seu apartamento. Quando o
Senhor Ekren vinha ficar conosco em Istambul, minha mãe voltava para sua comunidade.
Ah, Senhora GUlseren, eu fui muito abençoada por eles. A forma com que ela
cuidava de mim, eu mal sabia a sorte que tinha.
- Porque diz isso?
- Te explico. O senhor Ekrem se
aposentou no ano em que eu acabei o segundo ano da escola. E a família decidiu
se mudar para Istambul.
- Aonde viviam até então?
- Em Ankara. Estava angustiada
porque sentia que ia deixar minha verdadeira família para sempre. Na realidade
não me importava de não ver mais meu pai, mas me preocupava por minha mãe e
pelo que poderia lhe acontecer. Mas ela não me parecia nada preocupada. Com tinham trabalhado para Senhore Nermin por
anos ela lhe pagou uma boa indenização. Ela recebeu tanto dinheiro que estava
encantada, dizendo que não precisaria mais voltar a trabalhar. Nem sequer veio se
despedir de mim quando nos fomos. NO final nos instalamos em uma casa em Moda,
em Istambul. Mas seguíamos passando os verões em Buyukada. Com o tempo passei a
esquecer um pouco minha antiga família. A Senhora Nermin e o Senhor Ekren eram agora
minha família.
- Não teve mais nenhum contato
com sua família biológica?
- EU os ligava todo tempo e
perguntava por eles. Mas toda vez que nos falávamos minha mãe só reclamava de
meu pai, minha irmã mais velha se queixava das surras que o marido dela lhe
dava e meu pai só me chamava para pedir dinheiro. Mas claro que eu não tinha. Assim
eu pedia ele que falasse com a Senhora Nermin. As vezes ele ligava para o
Senhor Ekren para lhe pedir dinheiro também. As constantes queixas e reclamações
eram exaustivas. De toda maneira terminei o ensino médio e comecei a faculdade.
Com lhe disse antes, a Senhora Nermin era como uma mãe. Se preocupava comigo e
sempre era carinhosa. Sabia do que eu precisava antes mesmo de eu pedir a
ela. E sempre se assegurava de que
tivesse o que precisava. Eu gostava de ficar em casa com ela, sempre sentávamos
juntas como uma mãe e uma filha e falávamos de tudo debaixo do sol.
NA faculdade eu tinha me
apaixonado por um cara chamado Faruk, com a Senhora Nermin eu podia falar
abertamente sobre ele. Se eu precisasse ir a alguma lugar eu tinha um carro
para me levar e um motorista para me buscar. A Senhora Nermin conheceu Faruk e
lhe tratou com bastante carinho.
- Sua família sabia dele?
- De maneira alguma. Raramente se
importavam em me perguntar como eu estava ou o que estava fazendo ou o que
havia feito. A única coisa que se importavam era com o dinheiro e me envergonhavam
diante de todos mundo por isso. Minha mãe já nem se parecia mais com a mãe que
eu tinha conhecido. O fato de eu vivia com tanta fartura era algo cravado em
sua espinha nas costas e cada vez que me chamava dizia algo para me ferir. NO
fim, finalmente me graduei em Direito.
- Você se formou em Direito?
- Sim
- Porque não me disse desde o
início, estou te olhando tentando entender-te desde que entrou aqui
- Aposto que está pensando “Olha
o estado dessa mulher. Estudou tanto para estar esse desastre”
AS vezes posso ler a mente de
meus pacientes, mas outras são eles quem leem a minha. É quase isso mesmo que
eu estava pensando.
- Pois temo que sim, o que se
passou Zeynep?
- Não sei se vou ou volto, de
verdade!
- Porque, o que aconteceu?
- Se soubesse! Tudo esta
funcionando. Deus me deu essa oportunidade, mas eu a desperdicei. Estúpida, estúpida
que eu sou.
Mas que diabos teria se passado?
Tudo parecia estar indo tão bem. A vida dela mudou para melhor.
- O que aconteceu, Zeynep?
- _-No ano em que me graduei, Faruk
foi servir no exército. Pensamos em casar quando ele voltasse. A Senhora Nermin
pegou o telefone e deu a notícia a minha família da maneira mais doce, “é um garoto encantador e se Deus quiser, se
casarão quando ele tiver terminado o serviço militar. Daqui a pouco, Zeynep
também começa a trabalhar. Se quiserem, podem investigar sobre Faruk e seus
antecedentes. Assim que ele voltar, ele e sua família virão pedir a mão dela em
casamento” Não sei o que aconteceu, mas seja o que for, foi depois. Meu pai se
colocou a mil. Reclamou com a Senhora Nermin e com o Senhor Ekren, lhes perguntando
quem diabos eles achavam que eram para dar a minha mão sem consultar meus
verdadeiros pais. Uma semana mais tarde, meus pais biológicos apareceram em
Istambul como um trovão e disseram: “Vamos casar nossa filha com outra pessoa. O
rapaz é médico. Também é um primo distante dela. Já se meteram demais em sua
vida”.
- Conhecia a esse médico?
- O conhecia desde que éramos crianças.
Era praticamente o único que saía de nossa comunidade. Sua família não parava
de se vangloriar porque seu filho estava estudando na universidade para ser
médico. Só sei que isso foi um baque quando meus pais nos deram essa notícia. A
Senhora Nermin me abraçuo e disse: “Minha filha, já não é mais uma criança. Já
é suficientemente grande para tomar suas próprias decisões. Não disse nada, mas
como sua amiga durante todos esses anos, tenho medo de que cometa um erro
terrível. Essa é a sua vida e sua decisão. Pense bem e não te precipite.
- E o que fez, Zeynep?
Ela abaixa o rosto e começa a
chorar me dizendo : “ Se não voltar com a gente, nunca terá minha benção” Isso
foi tudo que ouvi, nada mais. Incluindo meu pai que nem sequer chorou pela
morte de seu próprio filho, estava encurvado
e chorando. “Você é nossa filha, nós
queremos que se case com alguém que nós conhecemos e que te ajeite a vida. O
rapaz que escolhemos para você já tem um tempo que te segue na internet. Ele e
sua filha virão vê-la. Te darão uma boa vida.”ele disse em lágrimas.
NO final convenceram a senhora
Nermin de me deixar ficar com eles por uma semana e , com isso, me pegaram pelo
braço e me arrastaram de volta para casa. Chorava, mas ao mesmo tempo podia
entender o que estavam passando. No dia seguinte, Mehdi apareceu. Se eu o
tivesse visto na rua não o teria reconhecido. Me olhava com ar de nostalgia,
pedindo-me que aceitasse. Em uma semana, me tiraram o “sim”
- Mas foi contra sua vontade,
não?
- Não sei, não sei como eu disse.
Não podia suportar ver minha mãe tão alterada. Quando me disse que não me daria
sua benção se eu não fizesse isso...
Coitada da Zeynep, fiquei com pena dela e de todas as pessoas que passaram pela mesma situação na vida real (que não são poucas).
ResponderExcluirDanielle Medeiros de Souza
danibsb030501@yahoo.com.br
Interessante conhecer Mais profundamente a obra e ver como os produtores conseguiram transformar em uma dizi dr sucesso
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