Título no Brasil: Cidade dos Sonhos
Título Original: Mulholland Dr.
Ano: 2001
País: Estados Unidos
Direção: David Lynch
Roteiro: David Lynch
Elenco: Naomi Watts, Laura Harring, Robert Forster
Nota: 4,5/5.0
Por Amanda Gomes
A história, se é que podemos chamá-la assim, começa com Betty, uma jovem atriz canadense que chega a Los Angeles cheia de otimismo e sonhos brilhantes. Na casa da tia, ela encontra uma mulher misteriosa, sem memória, que adota o nome de Rita. A partir daí, as duas embarcam numa busca por respostas – e nós, espectadores, também.
Como essa foi minha primeira vez com o filme, não levei nenhuma expectativa de interpretações anteriores. Entrei de olhos abertos, mas sem saber onde estava pisando. E talvez essa seja a melhor forma de experimentar Lynch: sem a pretensão de entender tudo. Ele não quer que você entenda, quer que você sinta.
A estética surrealista do longa é tão marcante quanto sua estrutura fragmentada. Tudo se apresenta como uma espécie de sonho – ou delírio – onde nada é exatamente o que parece. Em dado momento, Betty não é mais Betty. Rita é Camilla. As identidades se quebram e se misturam. O tempo parece dobrar sobre si mesmo. O espaço vira ilusão. E a narrativa, que antes se apresentava quase como um mistério a ser resolvido, revela-se como um quebra-cabeça emocional, psicológico e simbólico.
A cópia restaurada em 4K é um espetáculo à parte. A nitidez das texturas, o contraste entre luz e sombra, os azuis vibrantes – tudo isso amplifica a estranheza e a beleza da obra. Nunca tinha visto um filme se transformar tanto com a restauração de sua estética. A caixa azul, por exemplo, parece ainda mais enigmática. O clube Silêncio, ainda mais hipnótico. E o rosto de Naomi Watts – tão expressivo, tão vulnerável – ganha uma camada de intensidade que me prendeu do início ao fim.
Me chamou a atenção também como Cidade dos Sonhos consegue conversar com uma crítica profunda ao "sonho americano". Ao invés de glamour, o que vemos é uma Hollywood cruel, ilusória, onde os desejos mais íntimos colidem com as estruturas de poder e rejeição. É sobre frustração, identidade e o preço de perseguir fantasias.
Não vou negar: há momentos de confusão. É impossível não se perguntar o que está acontecendo em determinadas cenas. Mas esse desconforto faz parte da proposta. Como os próprios sonhos, nem tudo precisa ser explicado para ser sentido. Lynch sabe disso. E nos entrega uma obra que resiste a respostas fáceis – e por isso mesmo continua viva, instigante, atual.
Sair da sessão foi como despertar de um sonho do qual não lembramos todos os detalhes, mas que deixou marcas profundas. “Cidade dos Sonhos” me desestabilizou, me encantou e, de certa forma, me provocou a olhar o cinema com outros olhos.
Se você, como eu, nunca tinha assistido a esse filme, esse relançamento é o momento certo. E mesmo que você já tenha visto antes, há algo de quase mágico em revisitar essa história com a nitidez e profundidade que só o cinema restaurado pode proporcionar. Às vezes, é preciso deixar de tentar entender para finalmente sentir.
Confira em vídeo
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